Wine and music
Quando se menciona a combinação ou harmonização de um vinho, supõe-se que seja com comida. Saber harmonizar vinhos e alimentos com ciência é o ápice de uma educação enogastronômica. Mas por que não ir além e acrescentar mais complexidade a esta experiência sensorial? Já é notório que alimentos e bebidas evocam todos os sentidos, menos a audição. A lenda nos conta que Dioniso, deus grego do vinho e da fertilidade, teria inventado o tilintar dos copos para evocar este sentido, único ausente da degustação de um bom vinho. Teria sido essa a origem do ato de brindar.
Nossos ouvidos, contudo, merecem não apenas o som do brinde, mas boa música. O vinho é a mais abrangente das bebidas, a que tem maior variedade e nuances. É a que mais apela ao cérebro e ao coração.
Assim como harmonizar ostras com Chablis ou Sauternes com foie gras, algumas combinações de vinho e música poderiam se tornar clássicas, como tomar Champagne ouvindo standards de Cole Porter. Esta seria uma harmonização pelo glamour. Os standards do compositor americano embalaram as grandes festas dos loucos anos 20, regadas com o nobre espumante. Não esquecendo o fato de uma de suas mais famosas composições, I Get a Kick Out of You, imortalizada na voz de Sinatra, mencionar a bebida.
Outra combinação candidata a se tornar um clássico é degustar um Bordeaux Grand Cru Classé ouvindo Beethoven. São clássicos entre os clássicos, síntese do vinho e síntese da música. Como uma versão moderna dessa harmonização, poderíamos apreciar um grande Cabernet Sauvignon californiano ao som de jazz. Aqui se fala em criações mais contemporâneas, dois clássicos surgidos no século XX.
O casamento de vinho e comida por tradição é um dos métodos mais usuais. Ou seja, pratos típicos de uma região servidos com seus vinhos tradicionais. Podemos fazer o mesmo com a música. Uma combinação estimulante é de um Chianti Classico com uma boa canção popular italiana. Típico, alegre e passional. Ou ainda, pelo mesmo princípio, um Beaujolais Nouveau com La vie en rose. São leves, descompromissados e inconsequentes.
Pode-se harmonizar também por similaridade, como se faz ao servir vinho doce com a sobremesa. Usando este princípio, poderíamos degustar um Shiraz australiano ouvindo rock and roll. Ambos potentes, não ortodoxos e, de certa forma, rebeldes. Seguindo essa linha, as combinações podem ser muitas. Um grande Borgonha tinto com um de meus compositores prediletos, Chopin. São, vinho e música, finíssimos, complexos e inspiradores. Para os Borgonhas brancos amanteigados, a voz da cantora Sade, uma combinação sensual e smooth.
E o que ouvir degustando um bom Rioja? Eu acionaria play na manjada "Habanera", da ópera Carmem, de Bizet. Um pouco de exotismo cigano para harmonizar com os aromas de especiarias e carvalho do vinho.
Para o ritual que exige um Porto Vintage, algo solene como canto gregoriano. Com um Sauternes, Bach. Sua religiosidade mostra que a grandiosidade do universo e a pequenez do humano são adequadas ao vinho de meditação dourado de Bordeaux.
Para os vinhos realmente grandes, aqueles que transcendem a condição de bebida e alcançam a de obra de arte, recomendo simplesmente degustar em silêncio. Arte é o absoluto, não pode ser mensurado ou comparado. Então, para degustar obras de arte, recomendo absoluto silêncio.
As possibilidades são infinitas. Afinal, quantos tipos de vinho há no mundo? Quantos estilos musicais? Quão profundo é o oceano? Quanto alto estão as estrelas? Quantos são os sentimentos? Não espero que as pessoas concordem com minhas combinações, mas façam as suas próprias. Seja qual for seu estado de espírito, sempre haverá um vinho e uma música adequados.
Trechos retirados do livro "Vinho & algo mais" de Marcelo Copello, Editora Record
Vinho & Música
"A música não diz tudo, mas diz, de algum modo, o todo."
— José Miguel Wisnik
"Bastam umas poucas notas para que Debussy crie uma atmosfera sutil e inefável que um escritor não conseguirá jamais, qualquer que seja o número de páginas que escreva."
— Ernesto Sábato
Reunião nº 70
Dia: 14/10/2005
Tema: Vinho e música.
Vinhos:
- Cave Geise Nature, 12,5% álcool, ano 2002, vinho branco espumante. Vinícola Cave de Amadeu Ltda., Bento Gonçalves, RS, Brasil. Castas: não indicadas. Aparência: límpido, cor amarelo esverdeado, borbulhas bem intensas de tamanho médio. Aroma agradável com intensidade de média para baixa de fermento e frutas. Sabor agradável. Como acompanhamento salada de verdes com frutas e flores. Combinou muito bem, com destaque para o morango. As músicas propostas foram: Frank Sinatra cantando Cole Porter em “Begin the Beguine” e Dick Haymes cantando “On a Slow Boat to China” e “Cheek to cheek”. Frank Sinatra foi o preferido de todos (nº231)
- Gran Tarapacá Reserva Chardonnay, 13% álcool, ano 2003, vinho branco seco. Viña Tarapacá, Isla de Maipo Chile. Casta: chardonnay. Aparência: límpido, cor amarelo palha. Aroma agradável de intensidade alta, adocicado e madeira. Sabor agradável, amanteigado com bastante corpo e presença de carvalho. Permanência alta. Acompanhou muito bem o arroz com brócolis e a carne recheada. Mesmo depois de comparado com o vinho seguinte, o Rioja, manteve sua posição. As músicas propostas foram: Sade cantando “The Sweetest Gift” e Greek Meditation com “Zorba’s Dance”. A primeira foi considerada que combinava com o vinho mas era muito intimista para o grupo grande. A segunda combinou bem. (nº188)
- Don Román Rioja, 13% álcool, ano 2003, vinho tinto seco, DOC. Unión de Viticultores Riojanos, S.L. Fuenmayor, Espanha. Castas: tempranillo e outras. Aparência: límpido, cor rubi fechado. Aroma agradável frutas, madeira. Sabor agradável, macio, presença de carvalho bem pronunciada, boa permanência e corpo. Acompanhou o prato anterior combinado melhor com a carne do que com o brócolis. Acompanhou bem os queijos Gouda e Ementhal com pesto francês. Para a maioria não combinou tão bem com o Gorgonzola. Boa relação custo-benefício. As músicas Habanera e Aragoneza da ópera Carmem de Bizet foram o sucesso da noite. (nº243)
- De Bortoli Shiraz , 13,5% álcool, ano 2001, vinho tinto seco. De Bortoli Wines, Yarra Valley Austrália Castas: shiraz.. Aparência: límpido, cor púrpura/rubi fechado. Aroma agradável de intensidade média de frutas, maracujá, goiaba, pimentão e madeira. Sabor muito agradável, potente com bastante corpo e presença marcada de taninos finos equilibrados e não agressivos. Permanência alta. Presença de carvalho mas menor que no vinho anterior. Músicas: Home Among The Gum Trees; Fibre de Verre (Paris Combo) ; I Want It All (Queen) (nº244)
- Chateau Grillon Sauternes, 14,5% álcool, ano 2003, vinho branco doce AOC Sauternes. Roumazeilles, Gironde, France. Castas: nd. Aparência: límpido, cor amarelo dourado. Aroma muito agradável e intenso de compotas, goiaba. Sabor muito agradável, boa potência, muito doce mas não enjoativo, permanência alta com um final exótico (metálico?). Combinação fantástica com o queijo de mofo azul e boa com o pudim de leite da sobremesa. A música de Bach: Concerto para oboé d´amore em lá maior não foi comentado. (nº245)
Veja também:
Jantar “Vinho & Música” 2
Ata da reunião Vinho e música II
Parabéns!!! Boa escolha do artigo e dos dois vídeos. Um verdadeiro deleite.
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